quarta-feira, 13 de julho de 2011

O papel da educação musical na melhoria do ambiente sonoro.




O mundo atual pode ser considerado como o tabuleiro do barulho. Nossas cidades, nossas estradas, nosso céu e até o nosso meio rural convivem com uma variedade de ruídos muito intensa.
Muito se tem ouvido falar sobre a urgência da implementação de políticas de regulação da ambientação sonora. Mas, enquanto essas não decolam dos intermináveis fóruns sobre o tema, uma conscientização social poderia ser um grande primeiro passo.
O ensino básico de nossas escolas poderia, em parceria com os pais, estabelecer mecanismos de criação de bons hábitos nas crianças e adolescentes a favor da despoluição sonora do nosso meio. Para isso, a educação musical seria um importante trunfo para o alcance de bons resultados. A defesa dessa crença se alicerça na consideração de que a música é a combinação de sons e silêncios de forma organizada
Como forma de simular a visibilidade da convivência entre o som e o silêncio, estabeleçamos uma metáfora: Imaginemos uma floresta nativa, onde se vê uma massa ininterrupta e diversa de vegetação e de outra parte uma área de terra arada onde começa a nascer uma plantação de milho.
A uma distância de cem metros, olhando para a terra arada veremos com plena nitidez que os pequenos vegetais que crescem são pés de milho. Diferentemente, à mesma distância, olhando para a floresta teremos dificuldade para identificar as espécies das grandes árvores.
Nossa intuição nos diz que a aglomeração é a causa da dificuldade para distinguirmos as árvores e ao mesmo tempo nos indica que os espaços vazios entre os pés de milho facilitam nosso reconhecimento.
Se compararmos a terra arada com o silêncio. os pés de milho com sons de pouca intensidade e as árvores com muitos sons fortes e simultâneos vamos encontrar a mesma relação de facilidade/dificuldade. Ou seja, se estamos em meio ao silêncio, um pequeno som que for emitido será ouvido e reconhecido, ao passo que em um ambiente onde ocorram vários ruídos de timbre e intensidades diferentes, dificilmente distinguiremos a ocorrência ou não de um som específico.
Dessa comparação poderemos passar a conviver com um termo que anda muito em moda e até entender de onde ele possa ter-se originado. Quando falamos da mata, da terra arada e dos pés de milho descrevíamos uma paisagem visual, quando falamos dos sons e silêncios convivendo num mesmo espaço descrevíamos uma paisagem sonora. Assim, daqui por diante referiremos a determinado som ambiental como paisagem sonora.
Quando alguém fala em um ambiente onde não haja outro tipo de som, cada palavra proferida é separada da seguinte por um pequeno silêncio e é isso que nos dá nitidez na escuta. Ao contrário, se muitas pessoas falam ao mesmo tempo a tendência é cada vez falarem mais alto e a dificuldade de entendimento só aumenta.
E isso não acontece só com o som da fala, mas com relação todo tipo de ruído. Quando estamos cercados por uma paisagem sonora densa tendemos a falar gritando e estamos prejudicando nossos aparelhos, fonador e auditivo.
Essas paisagens em que a aglomeração de sons sufoca o silêncio têm sido apelidadas de paisagens sonoras low-fi e as em que os sons dividem com o silêncio o espaço são apelidadas paisagens sonoras hi-fi. Nas paisagens hi-fi a escuta tem muito mais qualidade, mais nitidez, pois até sons suavíssimos são percebidos e reconhecidos por nossos ouvidos.
Às vezes nos passa despercebido, mas nossos ouvidos são elementos tão importantes senão mais importantes de que nossos olhos para o nosso sistema de defesa. Nossos olhos avisam-nos de perigos que estão à nossa frente apenas, já nossos ouvidos comunicam-nos através da escuta o som de eventuais perigos que possam estar vindo em nossa direção por todos os lados.
Da mesma forma, boas notícias também podem vir através do som e os nossos ouvidos podem identificá-las seja lá de que direção venham. Nosso corpo reage instintivamente para se posicionar adequadamente ante a perspectiva do acontecimento que se avizinha segundo o som que os ouvidos captam.
O estudo da música exercita a boa escuta assim como a prudência na emissão do som e a convivência com ele. Dessa forma, uma boa reflexão sobre estes comentários produzirão bons argumentos para os professores usarem em suas aulas de música em favor da melhora da paisagem sonora de suas cidades. Invocando Murray Schafer, diríamos que assim agindo estaríamos contribuindo para com a afinação do mundo.